A agitação das multidões

É facisnante como um filme, uma música, um discurso, uma disputa em um esporte, um show tem a capacidade de emocionar as pessoas. Quando um grupo de expectadores se une para assistir um evento, e todos ficam atentos para o mesmo foco, dispomos nossos sentidos para algo novo.

Na verdade todos somos assim, é uma característica do ser humano, em maior ou menor nível e de acordo com a história de nossas vidas, uma hora ou outra ficaremos emocionados com a vitória de um time, o clímax de uma história, a melancolia de uma música ou o drama de uma cena.

Esta emoção gerada após a percepção do grupo, pode nos influenciar, nos motivar, e até deprimir. É como se estivéssemos condicionados a dar uma resposta à emoção. Porém quando estamos em grupo essa necessidade de resposta, parece ser mais pulgente e até confirmada pelos demais. Somos movidos em grupo.

Sob esse cenário, é ainda mais fascinante observar a resposta de Jesus, quando uma multidão o acompanhava. Imagino o quão emocionados estavam todos, tocados por Cristo. Em grupo tomados pelo impacto da Palavra, decidiam-se ali mesmo, em uníssono a seguir o Mestre. Mas Jesus transforma o pensamento coletivo em pessoal, particular. Vejamos o evangelho de Lucas 14:25-35:

Uma grande multidão ia acompanhando Jesus; este, voltando-se para ela, disse:
Se alguém vem a mim e ama o seu pai, sua mãe, sua mulher, seus filhos, seus irmãos e irmãs, e até sua própria vida mais do que a mim, não pode ser meu discípulo. E aquele que não carrega sua cruz e não me segue não pode ser meu discípulo.

Jesus torna a questão pessoal, e impõe a imparcialidade, o tudo ou nada, pela entrega dos mais próximos, até a entrega do ego. E como se não fosse suficiente, Jesus explicita que seguir ele é uma condenação a morte do eu, em uma pesada cruz, a ser carregada pelo condenado. Já seria difícil se a morte viesse pela execução de um carrasco, rápida e até de certa forma bela como o fim de um mártir. Mas a proposta de Jesus é humilhante, tira-nos do grupo, nos expõe para o mundo como um carregador da própria cruz, cansado, com o madeiro sobre as costas, com o corpo suado, os pés com bolhas, os ombros já machucados, sozinho, sem pai, mãe, mulher, filhos, irmãos, irmãs e finalmente sem identidade. Anônimo, àquele que momentos atrás estava influenciado pelo sermão de Jesus, descobre que ser discípulo é perder seu nome. É permitir que a cruz o identifique, como o probre coitado que a carrega até a morte.

Nesse momento, a audiência, inflada pela emoção, enfrenta a proposição pessoal da renúncia. Ainda assim os versículos continuam e Jesus mostra que não tinha terminado o assunto com a multidão:

Qual de vocês, se quiser construir uma torre, primeiro não se assenta e calcula o preço, para ver se tem dinheiro suficiente para completá-la? Pois, se lançar o alicerce e não for capaz de terminá-la, todos os que a virem rirão dele,
dizendo: ‘Este homem começou a construir e não foi capaz de terminar’
“.

Nesse momento a audiência inflada pela emoção e atônita pela proposta da renúncia, enfrenta o caro preço de ser discípulo. E pela primeira vez declara a dura expressão “se não for capaz”. Mas ainda não é o fim:

Ou, qual é o rei que, pretendendo sair à guerra contra outro rei, primeiro não se assenta e pensa se com dez mil homens é capaz de enfrentar aquele que vem contra ele com vinte mil? Se não for capaz, enviará uma delegação, enquanto o outro ainda está longe, e pedirá um acordo de paz.

Nesse momento, a audiência inflada pela emoção, atônita pela proposta da renúncia e perdida pelo alto preço, enfrenta a realidade do esforço exaustivo de guerra, requerido para ser discípulo. E mais uma vez escutam a expressão “se não for capaz”. Na verdade aquele grupo anteriormente decidido num único pensamento, começa a se dispersar em pensamentos inconclusivos, que apenas uma coisa tem em comum, a evidência que não são capazes, nem fortes, nem ricos o suficiente.

Mas Jesus ainda não terminou com a multidão:

Da mesma forma, qualquer de vocês que não renunciar a tudo o que possui não pode ser meu discípulo. O sal é bom, mas se ele perder o sabor, como restaurá-lo? Não serve nem para o solo nem para adubo; é jogado fora.”

Nesse momento, a audiência inflada pela emoção, atônita pela proposta da renúncia, perdida pelo alto preço e frustrada com sua incapacidade, escuta mais uma vez o convite a deixar tudo, como condição de ser discípulo. Jesus continua como quem se compadece, e fala do sal, do que traz individualidade, como quem entende o desejo motivado pela emoção, mas também como quem se preocupa que essa individualidade não se dissolva num comportamento de manada.

Nesse momento a audiênca se fragmentou em frustração, mas ainda atenta, ouve de Jesus uma oportunidade:

Aquele que tem ouvidos para ouvir, ouça.”

Jesus, finaliza com um convite. Com os seus ouvidos, ouça-me. Um convite individual, que cada um pode responder pessoalmente. Jesus não pede para vê-lo com os olhos, ou sentí-lo com os dedos, ou respondê-lo com a boca, ele apenas diz, para ouví-lo.

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